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sábado, 18 de julho de 2020

Artigo - Caça aos jornalistas

"Todos os veículos de comunicação e profissionais de imprensa de Sobral noticiaram o fato. Só Wellington Macedo recebeu atenção do MP de Sobral", aponta em artigo o jornalista Luciano Cléver.
A temporada de caça aos jornalistas de direita, aberta recentemente em Brasília sob o patrocínio do Supremo Tribunal Federal (STF), já chegou ao Ceará. Mais especificamente, em Sobral. O alvo é Wellington Macedo, autor de reportagens que causam incômodo aos poderosos da cidade.

O Ministério Público Estadual, na sua 10ª Promotoria estabelecida em Sobral, não se mostra tão eficiente em relação a possíveis crimes cometidos por autoridades públicas. Já contra o jornalista, é de uma celeridade pouco usual na Justiça brasileira.

A mais emblemática, tanto pela agilidade quanto pela justificativa em si, é de autoria do promotor Alexandre Pinto. A matéria, publicada no Facebook no dia 23 de março, foi ao ar precisamente às 16h49. Em menos de três horas, o MP já tinha dado entrada num documento contra o jornalista, registrado no sistema às 19h28.

Notem a celeridade: 2 horas e 39 minutos desde o momento da postagem na rede social, à pesquisa da lei infringida, passando pela redação da petição até a entrada no sistema. Mesmo se levar em consideração que o jornalista estivesse sendo monitorado, e que o promotor tenha começado a agir a partir do momento exato da publicação, é muita agilidade. Quem dera fosse assim em todos os casos, e não apenas em alvos específicos.

Data vênia, para usar linguagem cara aos doutos, acho que a matéria em si não tem nada que pudesse motivar qualquer iniciativa do Ministério Público. Muito menos, com tal ligeireza. O jornalista anunciou a primeira morte atribuída à covid-19, ocorrida em Sobral, com o seguinte título: “Hospital de Sobral identifica o corpo com coronavírus, erra o sexo e proibiu velório para evitar contágio”.

O promotor o enquadrou no artigo 41 da Lei de Contravenções Penais: “Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto”. Todos os veículos de comunicação e profissionais de imprensa de Sobral noticiaram o fato. Só Wellington Macedo recebeu atenção do MP de Sobral.

Em resumo: o Hospital Regional Norte identificou erroneamente o corpo de uma mulher como sendo masculino e o encaminhou direto ao cemitério, avisando à família que não poderia ter velório. Como houve o erro na indicação do sexo, a filha fez questão de abrir o caixão para se certificar de que era a mãe. Sobre o corpo envelopado, uma indicação de óbito por covid. A foto do caixão também foi publicada. O promotor viu aí mais um crime, o de vilipêndio (artigo 212 do CP). Todos publicaram a foto. Para o MP, só o jornalista Wellington Macedo teria vilipendiado o cadáver.

O promotor Alexandre Pinto estava tão apressado que pediu o comparecimento do jornalista para o dia seguinte, 25 de março, um feriado estadual. Segundo o documento – Notícia de Fato – , o promotor queria “apurar a veracidade da notícia veiculada nas redes sociais pelo senhor Wellington Macedo, informado que hoje ocorreu a morte de um paciente por Coronavírus na cidade de Sobral”. A notícia foi amplamente veiculada, mas o promotor queria ouvir só daquele jornalista sobre a veracidade.

O segundo caso também foi de muita celeridade: menos de 24 horas. Numa reportagem de vídeo, Wellington Macedo denunciou a omissão de autoridades em relação a abusos sexuais contra crianças ocorridos em Sobral. Lembrou que houve 24 casos registrados no Conselho Tutelar, muitos deles praticados no ambiente escolar da rede pública de ensino. Criticou autoridades municipais, estaduais e federais, por não conseguirem punir nenhum dos abusadores. Para ilustrar a matéria, ele chama a atenção para imagens chocantes. Uma garota de apenas 5 anos sendo estuprada por um adulto.

Mesmo com as imagens completamente desfocadas, o promotor Hugo Alves da Costa Filho solicitou a abertura de um inquérito policial “para apurar a divulgação de vídeos com cenas de abuso sexual de crianças” (artigo 241-A do ECA). Segundo o jornalista, trata-se de retaliação. Ele havia entrado com uma representação no Conselho Nacional do Ministério Público (CNPM) contra a omissão/prevaricação de promotores em Sobral. O CNPM já passou a acompanhar o caso.

O estranho no comportamento de membros do Ministério Público em Sobral é o descompasso de procedimento, principalmente quando em confronto com atos de autoridades públicas. Há dois casos de grande repercussão, com possíveis cometimentos de crime, sem que o MP tenha agido.

Um deles diz respeito ao prefeito de Sobral, Ivo Gomes. Em rede social, o prefeito fez incitação a crime (art 286 do CP). Disse ele no dia 27 de março: “Soube q vai ter uma carreata de filhinhos e filhinhas de papai em Fortaleza. Joguem pedras nos carros deles”.

O de maior repercussão foi o da retroescavadeira, em 19 de fevereiro. O senador Cid Gomes (PDT) pode ter cometido ali um leque de crimes. Tanto que três dias depois a União Nacional dos Juízes Federais do Brasil (Unajuf) pediu ao procurador Augusto Aras que denunciasse Cid Gomes por tentativa de homicídio qualificado, com emprego de meio resultante em perigo comum e de impossibilidade de defesa das vítimas.

Mas o Ministério Público de Sobral não se moveu. Questionado sobre isso, o promotor Hugo Costa Filho respondeu: “Assevero que qualquer investigação cujo sujeito passivo seja autoridade pública, será devidamente apreciada pelo membro do Ministério Público de Sobral com atribuição para tanto”.

O certo é que, contra o jornalista, o MP agiu com a celeridade do The Flash. Contra os poderosos, e com o suposto cometimento de crimes mais graves, já se vão mais de quatro meses sem que o Ministério Público de Sobral tome qualquer iniciativa. Parece a ressignificação do provérbio: para os inimigos, a Lei; para os amigos, a omissão.

Luciano Cléver é jornalista

Fonte: Mais O Povo / Eliomar de Lima

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