O cenário de aperto orçamentário não se restringe às agências reguladoras e afeta outras áreas do governo, como as Forças Armadas, cujo orçamento é concentrado em pagamentos de pessoal. Faltam recursos para investimentos.
Na Aeronáutica, deve haver atraso na entrega dos caças Gripen, fabricados pela sueca Saab, e da aeronave de transporte KC 390, da Embraer. Segundo um oficial de alta patente, a Força Aérea vem se empenhando para que o contingenciamento não afete atividades essenciais: defesa aérea, busca e salvamento e transporte de órgãos.
"Considerando o alto valor dos bloqueios e dos contingenciamentos estabelecidos, e o fato de essas contenções terem sido estabelecidas restando sete meses do atual exercício, houve impactos severos em praticamente todas as atividades, desde as operacionais até as logísticas e administrativas”, disse a Aeronáutica em nota. A FAB ainda paralisou sete de dez aeronaves que fazem o transporte de autoridades por falta de recursos para compra de combustível e peças de manutenção.
O Exército mais uma vez terá que alongar o cronograma de um dos seus projetos estratégicos prioritários, o Sistema Integrado de Monitoramento de Fronteiras (Sisfron), que inclui compra de equipamentos como radares. Previsto para ser concluído inicialmente em 2021, o programa será estendido até 2039, a um custo adicional de R$ 4 bilhões sobre a projeção inicial de R$ 11 bilhões.
Em preparação para receber um universo de mil mulheres no primeiro alistamento feminino, o Exército teme que a falta de recursos obrigue uma redução do contingente. A Força não recebeu dinheiro para adaptação de alojamentos e banheiros, construídos para homens.
Redução de 60% em dez anos
A Marinha informou que, nos últimos dez anos, o orçamento da Força foi reduzido em cerca de 60%, caindo de R$ 7 bilhões para R$ 3 bilhões em valores atuais. A falta de verba compromete a manutenção de navios, aeronaves e meios do Corpo de Fuzileiros Navais.
“De forma paradoxal, ao mesmo tempo em que o Brasil amplia seu território marítimo — em março de 2025, houve o reconhecimento pelas Nações Unidas da ampliação do território marítimo brasileiro em 360 mil km², na denominada Margem Equatorial —, a MB (Marinha Brasileira) poderá perder por volta de 40% de seus navios até 2028, caso não haja um reforço orçamentário que permita a renovação dos meios navais e a continuidade dos projetos estratégicos”, disse o órgão em nota.
No curto prazo, a Marinha estima necessidade de R$ 20 bilhões para dar continuidade a projetos estratégicos, como o programa de desenvolvimento de submarinos e atividades operacionais.
Universidades federais também enfrentam apertos financeiros. Na UFRJ, um trecho de um muro do Colégio de Aplicação, na Zona Sul, desabou no último sábado — a instituição foi procurada, mas não respondeu. Na Universidade de Brasília, a principal biblioteca está fechada por conta de uma greve de técnicos que já dura três meses.
O presidente da Associação Nacional de Docentes (Andes) diz que as universidades federais enfrentam situações generalizadas de não pagamento de contas essenciais, como luz e água:
— Se o orçamento público não financiar a educação pública, vai colocar as instituições na iminência do colapso. E aqui eu estou dizendo o colapso, quanto ao não pagamento de contas de energia elétrica, de água.
A penúria é generalizada. O INSS acumula uma fila de espera de benefícios de 2.678.584 pedidos ainda sem resposta, segundo dados de abril. A greve de servidores é apontada como uma das causas. Procurado, o instituto não se manifestou.
Até BC teve que fazer escolhas
Até o Banco Central, que não foi atingido pelo bloqueio de agora, sofre com uma redução contínua de orçamento. Em 2024, do orçamento total de R$ 3,8 bilhões, só R$ 297 milhões eram discricionários. O número de servidores atualmente gira em torno de 3.100, menos da metade do que foi previsto em lei em 1998.
Paralelamente à redução de recursos na última década, o órgão vem experimentando um aumento de suas atribuições com o aparecimento de novas instituições, como as fintechs, e a criação do Pix. Para dar conta do trabalho maior em meio às restrições, o BC teve de fazer algumas escolhas, inclusive na supervisão de instituições financeiras.
Deve, por exemplo, demorar mais do que gostaria para colocar para dentro da sua regulação instituições de pagamento e outras fintechs que funcionam atualmente sem autorização. Para abrir o mercado e aumentar a competição, o BC estabeleceu inicialmente que as instituições menores não precisariam ter seu aval para atuar.
Com o crescimento das novatas e do mercado, o regulador determinou inicialmente que aquelas que operavam com carteiras digitais deveriam pedir uma licença até março de 2023. Depois, teve de alongar esse limite até 2029. Sem autorização, o BC não tem visibilidade sobre as operações dessas instituições.
Mesmo para instituições que já estão sob a supervisão do BC, o acompanhamento muitas vezes não é tão frequente quanto o órgão gostaria, e a peneira fica mais aberta. A ordem é que a supervisão seja proporcional ao tamanho. Por exemplo, os bancos maiores recebem maior atenção.
Fonte: O Globo
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