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sexta-feira, 23 de abril de 2021

Número de policiais mortos com Covid-19 é mais que o dobro dos que foram assassinados nas ruas em 2020

Foram 465 mortes de agentes em razão do coronavírus e 198 casos de assassinados em serviço ou de folga no Brasil. Um em cada quatro policiais precisou ser afastado das atividades em algum momento em razão da doença apenas no ano passado.

A Covid-19 provocou somente no ano passado a morte de 465 policiais no Brasil. É mais que o dobro do número de agentes assassinados nas ruas do país em 2020. A doença também tem afetado diretamente a rotina nas corporações. Um em cada quatro policiais brasileiros foi afastado das atividades em algum momento durante a pandemia por apresentar sintomas, fazer parte de algum grupo de risco ou ter de fato contraído o novo coronavírus.

Os dados, inéditos, fazem parte de um levantamento exclusivo do G1 com base em informações coletadas nas polícias Civil e Militar e nas secretarias da Segurança Pública dos 26 estados e do Distrito Federal.
  • ANÁLISE DO FBSP E DO NEV-USP: Vidas menosprezadas; mortes banalizadas
  • METODOLOGIA: Monitor da Violência
Os números revelam que:

  • 465 policiais civis e militares da ativa morreram vítimas da Covid-19 em 2020, mais que o dobro do número de agentes assassinados no país (198)
  • Os estados com mais policiais mortos pela doença foram Rio de Janeiro (65), Amazonas (50) e Pará (49)
  • 126.154 policiais foram afastados da função em algum momento, o que representa 25% do total do efetivo no país (veja detalhes por estado mais abaixo)
  • Tocantins foi o estado com o maior percentual de afastamentos pela doença: 38% do total
Todas as unidades da federação tiveram ao menos um policial morto pela doença no ano passado.

Esse número hoje é certamente maior, já que não são levados em conta no dado os primeiros meses deste ano, quando a Covid-19 atingiu seu pico.

O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Os pedidos foram feitos para as assessorias de imprensa das corporações e por meio da Lei de Acesso à Informação.

Para Bruno Paes Manso, do Núcleo de Estudos da Violência da USP, e Samira Bueno e Renato Sérgio de Lima, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, os números revelam o cenário de tragédia e medo que a gestão da pandemia ajudou a construir no Brasil.

"Gestão essa que parecia ignorar até menos de um mês atrás que uma quantidade significativa de profissionais de segurança pública trabalha em contato direto com a população e está em constante risco de contaminação e, ainda, de transmitir o vírus para seus familiares e amigos", afirmam.

"Foi somente no fim de março que tais profissionais ganharam o direito de serem vacinados. Até então, fora da lista inicial dos grupos prioritários para a vacinação do Programa Nacional de Imunização (PNI), os policiais têm tido um papel central na gestão da crise sanitária, especialmente na garantia de medidas de distanciamento social e proteção de equipamentos de saúde pública."

"Os números são, portanto, um alerta para que os policiais brasileiros parem de ser tratados como marionetes do jogo político, inclusive por representantes de suas próprias categorias. É preciso que os mecanismos de proteção, saúde e valorização do trabalho previstos na lei que criou o SUSP (Sistema Único de Segurança Pública) sejam efetivamente colocados em prática e não se transformem em letra morta ou normas esvaziadas" afirmam os especialistas.

Eles destacam, ainda, que "mudar a segurança pública implica em mudar a forma como governos, sociedade e polícias se relacionam entre si". "A vida não pode ser menosprezada e/ou a morte banalizada."


Combatendo o crime e a Covid-19

O sargento da PM do RJ Diógenes Moreno, de 43 anos, morreu após contrair a Covid-19. Enquanto estava internado no Hospital Central da Polícia Militar, no Centro do Rio, mandou uma mensagem a um amigo alertando sobre o perigo da doença.

“É uma situação complicada, né? A gente só acredita quando acontece com alguém próximo. Eu tô aí de exemplo. Então, o bagulho é sério”, disse Diógenes.

"Bagulho que eu nunca tive na minha vida. Convulsão, nunca tive isso. Aí, três em menos de 24 horas. Então, o que eu peço a vocês aí é: se cuidem! Se Deus quiser, daqui a uns dias eu tô saindo daqui...pra casa!" Dias depois, porém, o sargento Diógenes morreu por problemas respiratórios causados pela doença.

O soldado da Polícia Militar Jonathan Felipe Silva de Melo, de 28 anos, não conseguiu concluir o curso de formação da PM em Registro, no interior de São Paulo. Foi impedido pela Covid-19.

Jonathan foi um dos 64 contaminados em um surto de coronavírus no 14º Batalhão da Polícia Militar de SP. Foi internado antes da formatura por complicações da Covid-19 e morreu 10 dias depois de os colegas receberem o diploma. Ele era casado e tinha um filho de 9 anos.

Um dos colegas de farda do jovem, o soldado Tavares, de 29 anos, disse que o amigo era um exemplo de superação e sempre falava para todos que fazia tudo pelo filho, que era seu maior incentivo.

"No final do módulo básico, ele estava correndo o risco de não concluir o curso, pois não conseguia fazer o mínimo de barras fixas, então ele passou a se esforçar muito para conseguir. Treinava todos os dias quando chegava no quartel e após o expediente também", disse.

"Antes de concluirmos o curso, o encontrei pelo quartel para passar no médico e ele já estava bem debilitado, mas me disse que era apenas um resfriado evoluindo para uma possível pneumonia. Ao passar pela triagem foi transferido imediatamente para o hospital. No primeiro dia, ele ainda mandou mensagem no grupo do pelotão, mas depois já foi induzido ao coma."

Já o sargento da PM de SP Erico Rodrigo de Oliveira, 48 anos, sobreviveu à Covid-19 depois de ficar 16 dias intubado na Unidade de Tratamento Intensivo (UTI) do Hospital Oswaldo Cruz, no bairro Vergueiro, Zona Sul de São Paulo. Quando teve alta, saiu com os rins paralisados e quase sem conseguir andar, com a musculatura atrofiada.

“Fiquei inconsciente e, quando acordei, não me recordava nem de como vim parar no hospital. Quando eu recobrei a consciência não sabia onde estava e o que aconteceu", disse Erico.

"Os médicos e enfermeiras estavam muito surpresos com a minha recuperação e me disseram que eu quase morri. Em dado momento eu não apresentava melhora, cheguei a ser desenganado. Perdi 10 quilos. É um milagre de Deus eu estar aqui.”


Mudança de rotina nas corporações

A Covid-19 fez a rotina das polícias se transformar. O levantamento do G1 mostra que 126.154 policiais foram afastados das funções em algum momento no ano passado – o que representa 1/4 do efetivo total do país.

A PM de Pernambuco, por exemplo, publicou uma série de vídeos na internet para orientar seus policiais sobre as medidas de prevenção. As cinco gravações, estreladas por agentes da própria corporação, ensinam a forma correta de higienizar a viatura, colocar e tirar a máscara, fazer a higienização após uma abordagem, entre outras dicas.

Em Mato Grosso, logo no início da pandemia, o comandante-geral da Polícia Militar elaborou uma portaria estabelecendo medidas de prevenção à propagação do coronavírus.

Foram estabelecidos o uso de álcool e outras medidas de higienização pelos policiais nas ruas, suspensão de cumprimentos, ferramentas como WhatsApp como meio complementar de comunicados, a criação de uma Comissão Especial para Supervisão e Monitoramento, teletrabalho, revezamento e redução de expediente para parte do administrativo.

Já no Rio de Janeiro, houve críticas à Secretaria de Polícia Militar por não dar proteção aos policiais no começo da pandemia. Em abril de 2020, PMs reclamaram que precisavam comprar equipamentos de proteção contra a Covid-19 por conta própria e que o período de quarentena para contaminados estava sendo reduzido pela corporação.

O Ministério Público do estado chegou a fazer recomendações para que as secretarias de Polícias Civil e Militar adotassem medidas para proteger os policiais durante a pandemia da Covid-19. A Secretaria de Polícia Militar afirmou depois que fez licitações de emergência para comprar máscaras PFF2, álcool líquido e álcool gel para os agentes e que apenas aqueles em condições de saúde estavam sendo escalados para trabalhar.

No Tocantins, estado com o maior percentual de policiais afastados, a Polícia Militar afirma que adquiriu Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) para o uso da corporação. Além disso, diz que aplicou testes PCR (swab) diariamente e também fez mais de 5 mil testes rápidos. Em nota, acrescenta ainda que monitorou os policiais durante o tempo em que estavam com a doença e que 100% do “efetivo operacional” já foi vacinado.

Em São Paulo, estado com o maior efetivo de policiais (27.450 policiais militares e 1.643 policiais civis), foram distribuídos equipamentos para ajudar na proteção contra a Covid-19, como máscaras, face shield, luvas, álcool em gel, entre outros. A Polícia Militar de SP instalou também o TeleCovid, serviço online no qual uma equipe médica da corporação monitora policiais com suspeita ou confirmação da Covid-19 e oferece encaminhamento para hospitais caso necessário.

A corporação ressalta ainda que os profissionais de segurança e seus parentes são submetidos a testes para a detecção da doença. Em nota, afirma que os ambientes de trabalho, como carros e laboratórios, são higienizados e que a Delegacia Eletrônica foi ampliada. Segundo a corporação, 87% dos policiais foram vacinados no estado de SP até o dia 16 de abril.


Transparência

O levantamento do G1 durou mais de dois meses para ser concluído. Os dados foram solicitados via Lei de Acesso à Informação e também foram pedidos às assessorias de imprensa das secretarias da Segurança e das corporações, quando necessário.

Além da demora e da falta de padronização nas respostas, dois estados não enviaram as informações completas.

O Paraná não forneceu o número de policiais afastados (tanto civis quanto militares). A SSP diz que não informa os dados “por questões de segurança e também por se tratarem de dados de saúde dos integrantes”.

A Polícia Civil de Minas Gerais não repassou nenhum dado, alegando “questões estratégicas de segurança”. “O quantitativo de servidores afastados por apresentarem sintomas gripais e/ou respiratórios, bem como que tiveram confirmação da Covid-19, é ínfimo e não compromete a prestação de serviço pela instituição.”

Apesar da falta de transparência de alguns estados, outros adotaram, inclusive, portais com um raio X completo da doença. Santa Catarina, por exemplo, enviou não só os dados pedidos como informações sobre casos suspeitos, casos confirmados, casos recuperados e casos em monitoramento.


Monitor da Violência

Nesta quinta-feira (22), o Monitor da Violência mostrou que o número de policiais mortos aumentou 10% na comparação de 2019 com 2020 (passou de 180 para 198). Isso significa que um policial é assassinado a cada dois dias. O Piauí foi o estado com a maior taxa de policiais mortos (1 a cada mil policiais). Acre, Paraná, Rio Grande do Sul e Tocantins não tiveram mortes de policiais em 2020.

Por outro lado, houve uma ligeira queda de 3% nos dados de pessoas mortas pela polícia (de 5.829 em 2019 para 5.660 em 2020). Essa redução se deve, principalmente, pelo Rio de Janeiro, que registrou 575 mortes a menos. Uma decisão do STF suspendeu as operações policiais no estado do RJ durante a pandemia e foi crucial para essa queda.

Em 2020, 17 estados apresentaram alta nas mortes pela polícia. Os números são preocupantes: 16 pessoas são mortas pela polícia no país a cada dia.

O Amapá aparece como o estado com a maior taxa de letalidade policial em 2020: 12,8 por 100 mil habitantes. Já a taxa nacional foi de 2,7 por 100 mil. Distrito Federal teve a menor taxa: 0,4 a cada 100 mil.

Fonte: G1

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